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G7 Fashion Pact: tentativa do primeiro acordo “global” para diminuição dos impactos da indústria

Vivian Berto de Castro e

Patricia Sant'Anna



Foto de: Jack Antal no Unsplash.

Na cúpula do G7 realizada entre 24 e 26 de agosto em Biarritz, na França, foi estabelecido o “The Fashion Pact”, uma iniciativa global de grandes empresas e marcas de moda comprometida com o desenvolvimento sustentável - mais especificamente, o cumprimento do acordo de Paris (o tratado que visa manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5 ºC até 2100). O G7 Fashion Pact foi liderado por François Pinault, presidente do conglomerado Kering, apoiado pelo presidente da França, Emmanuel Macron.



Ao todo, 32 empresas globais de moda que aderiram ao pacto, que, juntas, somam quase 150 grandes marcas. Só a Kering (antiga PPR) possui as marcas Gucci, Balenciaga, Bottega Veneta, Yves Saint Laurent, Brioni, Sergio Rossi, entre outras. Além dela, aderiram ao pacto a Adidas, Bestseller, Burberry, Capri Holdings (dona da Versace, Jimmy Choo, Michael Kors), Carrefour, o grupo Chanel, Ermenegildo Zegna, Everybody & Everyone, Fashion3, Fung, Galeries Lafayette, Gap Inc, Giorgio Armani, H&M, Hermès, Inditex, La Redoute, Moncler, Nike, Nordstrom, o grupo Prada, Puma, grupo PVH (Calvin Klein, Tommy Hilfiger), Ralph Lauren, Ruyi, Salvatore Ferragamo, Selfridges, Stella McCartney e Tapestry Inc (que possui Coach e Kate Spade New York, dentre outras).



O Pacto é baseado nas iniciativas da organização Science-Based Targets (SBT), que foca em três áreas essenciais para proteger o planeta: frear o aquecimento global, com o objetivo de zerar as emissões de gás até 2050 (cumprindo as expectativas do acordo de Paris); restaurar e proteger a biodiversidade; proteger os oceanos, reduzindo o impacto nesses ecossistemas, em especial com o alarmante descarte desenfreado do plástico. As questões trabalhistas da indústria da moda não foram diretamente tratadas.



A ideia de um acordo global e o papel da França


Representantes de marcas globais de moda já haviam se reunido em Bonn este ano com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC) da ONU, para repensar os impactos e a transparência da indústria. Efetivamente, o Fashion Pact é a primeira tentativa de pacto “global” (veremos as exceções mais adiante) e de apoio governamental que tem como proposta diminuir o impacto da indústria da moda. Até agora, as iniciativas eram todas apenas das próprias empresas, com métricas e estudos guiados e financiados pelas mesmas.



Este fato tem causado uma certa inconsistência nos avanços da indústria da moda no caminho para o menor impacto, como, por exemplo, as várias acusações de greenwashing (“sustentabilidade de fachada”) praticado por várias empresas, como foi apontado recentemente em relação à H&M. O que dificulta o discernimento das soluções sustentáveis é que não há sequer consenso legal ou técnico do que seria uma marca, produto ou coleção “sustentável” - cada empresa define seus próprios padrões.



O que se vê com muitas das atitudes isoladas das empresas é também uma desaceleração da indústria da moda em diminuir seus impactos, o que não é uma boa notícia se tivermos em conta a urgência das questões ambientais (mudanças climáticas, presença massiva microplásticos nos oceanos, esgotamento de recursos naturais etc.). A conferência Copenhagen Fashion Summit, que completou em maio dez anos de existência com o propósito de “reescrever a moda” sob o ponto de vista sustentável, registrou poucos avanços na área da sustentabilidade e, principalmente, na transparência das redes produtivas da moda. Segundo a associação Fashion Revolution, o progresso da indústria em diminuir o impacto ambiental desacelerou um terço em comparação ao crescimento do setor. E pouco foi feito pelas grandes empresas para diminuir o trabalho escravo entre suas empresas fornecedoras.



Como ações isoladas das empresas frente à sustentabilidade e transparência têm sido pouco efetivas, há várias tentativas de unificar os esforços.


Visando uma ação mais coletiva e, portanto, mais efetiva, algumas iniciativas já têm demandado um acordo mais amplo entre empresas e governos ao invés de projetos isolados. Segundo Orsola de Castro, uma das fundadoras do Revolution, sobre o Fashion Pact, “colocar as marcas de moda frente aos Science-Based Targets é imensamente importante para uma mudança efetiva. Isto tira o espaço de manobra de vários compromissos amplos e ambíguos da indústria que vimos até agora”. Centralizar métricas é um dos motivos por que a própria Organização Mundial do Trabalho (OIT) promove a Ethical Fashion Initiative, com foco em buscar fornecedores e mão-de-obra justos - especialmente focado no artesanato e expertise locais - em países em desenvolvimento (sob a campanha #NotCharityJustWork). A própria fundação Ellen McArthur (autora da Circular Fibre Initiative e já bastante conhecida fundação filantrópica voltada para a moda baseada na economia circular) é uma tentativa de não deixar somente nas mãos das empresas as ações com foco em sustentabilidade, mas de unificar projetos para potencializar as mudanças.



Em relação ao Fashion Pact, é curioso que o outro grande conglomerado francês, o grupo LVMH, principal concorrente da Kering de Pinault, não tenha participado do estabelecimento do acordo. Falta de colaboração entre concorrentes da indústria ou manobra de Pinault, que tem grande influência política e econômica na França? Podemos lembrar que o bilionário foi um dos primeiros a anunciar a doação de milhões de euros para a recuperação da catedral de Notre Dame depois do incêndio de abril. No pacto, também há poucas empresas provenientes de outros países do G7 (não há marcas japonesas ou canadenses...), com foco principalmente nas empresas e grupos norte-americanos e franceses.



Além disso, a presença da França neste acordo-chave mostra o quanto o país quer se mostrar como (ainda) um centro do mundo da moda, tentando liderar, agora, as pautas ligadas à sustentabilidade. A perda de espaço da França, a partir dos anos 1990, como centro de moda e culturalmente relevante do mundo (por exemplo, se pensarmos que o eixo artístico se desloca cada vez mais para o Oceano Pacífico, a França está bem longe) exige novas estratégias de soft power. Nisso, as mudanças climáticas e proteção do meio ambiente entram em foco, vide a centralidade como tem sido tratados estes temas pelo país nos últimos anos. E o fato de ser um dos focos do encontro do G7 em Biarritz.



A presença da França neste acordo-chave mostra o quanto o país quer se mostrar como (ainda) um centro do mundo da moda, tentando liderar, agora, as pautas ligadas à sustentabilidade.

Efetividade e resultado


O G7 Fashion Pact vem de encontro às exigências cada vez maiores dos consumidores de mais transparência e atitudes efetivas das empresas, muito além do greenwashing. O público cada vez menos compra a ideia de que suas atitudes individuais são as únicas que podem contribuir para a reversão dos altos juros ambientais que estamos começando a ver - e cobram das grandes empresas, instituições e órgãos governamentais ações mais sérias.



No entanto, as questões ambientais - como a mudança climática – são ainda controversas, em especial nos grupos de extrema direita que têm dominado o cenário político mundial. Donald Trump se recusou a assinar o acordo de Paris, por exemplo, e alguns governos, como o brasileiro, veem com desconfiança os dados e consensos científicos que provam a necessidade de mudanças urgentes. No entanto, a indústria da moda, junto aos outros países do G7 (em especial a França) já sinaliza a disposição em dialogar sobre medidas mais efetivas, já que é preciso acelerar a já estacionada procura da moda sustentável.



Por fim, os esforços e políticas de instituições e governos em países “centrais” não podem invisibilizar outras iniciativas em contextos diferentes. Por exemplo, existem empresas, como a californiana Patagonia, que é inovadora na questão da sustentabilidade e transparência de sua rede produtiva. Já os países em desenvolvimento, como o Brasil, já testam suas próprias soluções de sustentabilidade que visam seus contextos culturais, econômicos e históricos. Não é produtivo para estes países ter um “norte” a seguir a partir das iniciativas bastante recentes vindas de empresas isoladas do grupo do G7.

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