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  • Foto do escritorTendere Tendere

Mais do mesmo e do mesmo de novo

Patricia Sant’Anna, Helder Oliveira,

Vivian Berto, Dimitria Freitas, Victor Barboza



“Double face Jack”, Guillaume Verda.

Em que momento uma obra de arte que remete muito fortemente a outra – a ponto de identificarmos na hora a semelhança – pode ser considerada “inspiração”? E em que momento ela pode ser uma mera cópia? A arte contemporânea está repleta de exemplos recentes de artistas que, ao invés de trazerem algo novo, se assemelham a obras de artistas já produzidas. E que, ao invés de admitir a inspiração, a vendem como se fosse coisa nova.



Um dos casos recentes é o do artista francês Guillaume Verda. Ele teve sua exposição solo cancelada na Sakura Gallery, em Paris, depois da acusação de plágio da obra do Jean-Michel Basquiat. Verda foi denunciado por não ter dado nenhum crédito à influência do artista nova-iorquino em sua obra, algo que repercutiu nas mídias sociais e, mais tarde, na mídia tradicional.



As obras, ainda, foram apresentadas na exposição com a descrição: “máscaras de expressionismo tradicional feitas de papel-cartão e madeira, representando os espíritos antigos que ainda habitam o mundo moderno”. Tanto o artista quanto a galeria que o representa defenderam a originalidade do trabalho e seu direito de se inspirar em um grande artista do passado.



Só que não é preciso ser um crítico ou especialista em história da arte para reconhecer o quanto o trabalho de Verda se parece com o de Basquiat, a ponto de ser quase confundido. É evidente que, mais do que inspiração, há uma cópia tanto plástica quanto de conteúdo, representada de outra maneira (as tais “máscaras do expressionismo tradicional”...). A fundação Jean-Michel Basquiat não chegou a se manifestar sobre o assunto e, por enquanto, não se chegou às vias legais. Ficou-se apenas nos debates em mídias sociais e na mídia.



O mesmo na arte


Mais do que o plágio – que, na arte contemporânea, é um assunto complexo e de não fácil resolução –, o que nos interessa aqui é outro assunto. Por que, afinal, reproduzir o trabalho de um artista dos anos 1980? Por que fazer algo que já foi feito, quando a arte contemporânea se alimenta do sempre novo em propostas, conceitos e estéticas?



Por que, afinal, reproduzir o trabalho de um artista dos anos 1980? Por que fazer algo que já foi feito, quando a arte contemporânea se alimenta do sempre novo em propostas, conceitos e estéticas?


Num primeiro momento, poderíamos pensar em má-fé. A cópia simples evita muito trabalho, e a parte mais custosa da criação, que é o processo criativo em si. Ativar uma rede de referências (repertório), retrabalha-las e transforma-la em um produto final é um trabalho que exige muito tempo de estudo e experimentação tanto teórica quanto prática. Quem disse, afinal, que é fácil ser artista? Mais barato e mais fácil, seria copiar algo que já foi feito.



Mas, no caso de Verda, não estamos falando em copiar qualquer artista. Basquiat conquistou muita popularidade, principalmente nos últimos anos, e não apenas no restritíssimo mundo da arte. O artista nova-iorquino causa uma identificação com uma miríade muito diversa de pessoas, que conhecem seu estilo e evocam suas obras com facilidade. E, além disso, Basquiat tem um estilo inconfundível, mesmo para leigos. Seus direitos estão protegidos pela fundação que leva seu nome... Não seria muito arriscado copiar um artista com tanta visibilidade? Assim, poderíamos até duvidar da má-fé da cópia por preguiça e pensar em outras questões.



Basquiat causa uma identificação imediata, mesmo para quem é leigo. Então, copia-lo por simples má-fé seria muito arriscado.


Uma outra hipótese é a ignorância, ou, então, falta de repertório. Vendo o último parágrafo, fica difícil acreditar que um artista atuante no mercado global de arte não conheça Basquiat, é claro. Mas a falta de repertório se torna um problema em vários outros casos – muitas vezes, artistas pensam que estavam criando algo original, mas, na verdade, apenas fazem algo que outros artistas já fizeram no passado. Uma pintura contemporânea pode ficar muito próxima do que Helio Oiticica já fez, uma performance que aconteceu ontem pode ser quase uma reapresentação de outra realizada por Joan Jonas nos anos sessenta – e seus idealizadores podem nem ter ideia disso.



Jovens artistas, quando se alimentam de maneira medíocre de repertório, podem cair facilmente nessas armadilhas. Os próprios cursos de arte se tornam parte do problema quando abandonam os momentos de formação de repertório (história, teoria, estética etc.) para abordar somente os cursos práticos, formando artistas-artífices no sentido restrito do termo, e não artistas que também possuem repertório e teoria sólidos.



Mas há uma terceira hipótese, que não passa pelo plágio de má-fé ou o repertório fraco: é a produção medíocre. O mercado de arte, estrito para descobrir o próximo artista mais vendável, contribui muito com essa mediocridade. Apesar de se saber que o trabalho não é bom, nem original, se continua com ele, já que pode gerar um “buzz” em torno da obra e do artista e também vendas a curto prazo. Quanto artistas, galeristas, curadores, marchands, colecionadores etc. concordam em ressaltar o medíocre, o “qualquer coisa”, o palatável porque já conhecido e deglutido, o mercado de arte todo perde.



Há uma terceira hipótese, que não passa pelo plágio de má-fé ou o repertório fraco: é a produção medíocre.


Mais do mesmo


Isso não acontece somente na arte. Na moda a cópia tem função especial e não deve ser desprezada em sua importância nos processos criativos e assimilativos. Porém, fazer “mais do mesmo” na moda é mais do que copiar para entender e assimilar. É cair na mediocridade assim como no mundo da arte.



No mês passado, uma matéria do Business of Fashion chamou a atenção para o fato de que todos os logos das grandes maisons se parecem. Saint Laurent, Celine, Balmain... A busca por um estilo que pareça “mais contemporâneo” trouxe todas as marcas para as mesmas soluções: tirar as serifas, utilizar as fontes em caixa alta e bold, de preferência com o kerning (espaço entre os caracteres) alargado.



Um dos responsáveis pela mudança do diferente para o mesmo é Hedi Slimane, atualmente diretor criativo da Celine (sem acento). Tanto nessa maison quanto na Yves Saint-Laurent – batizada, por Slimane, simplesmente como Saint Laurent – o designer francês propôs a mudança e simplificação do logo, além de tirar o “Paris” que o acompanhava. A comunicação da Celine justificou a mudança da seguinte maneira: “O acento do ‘E’ foi removido para permitir uma proporção mais balanceada e simplificada, evocando as coleções dos anos 1960 nas quais o acento não era sempre utilizado”. Seja qual for a justificativa associada ao histórico da casa, tal qual no Basquiat-Verda, não podemos deixar de concordar com a matéria do Business of Fashion – sim, todos os logos parecem iguais.



Mas a identidade visual não é a única maneira de Slimane padronizar as marcas pelas quais ele passa. Concordamos com as inúmeras críticas que o designer recebeu desde que assumiu a direção criativa da Celine: o estilo da marca tradicional, que estava sendo lapidado por Phoebe Philo desde meados dos anos 2000, foi totalmente transformado – para pior. Slimane transformou a maison na sua própria marca: no feminino, a “pegada” rock’n’roll francesa, ora setentista, ora oitentista. No masculino, a fórmula de sucesso desde a Dior Homme, com roupas ajustadas ao corpo e a imagem de um homem jovem e frágil, que, nos anos 2000, era perfeito para as bandas de rock indie.



Masculino: um desses looks é Dior Homme fall 2007 e o outro, Celine spring 2019. Você consegue ver a diferença? Nós também não.

Feminino: Celine Fall 2019 e Saint Laurent Spring 2013. Exceto pela beleza e cenografia, poderia ser o mesmo desfile.

Atente-se que não é apenas manter o estilo inimitável de um designer. É só fazer o mesmo, mesmo. Isso tem nome: preguiça criativa. Isso tem nome: preguiça criativa. As marcas da explosão recente do streetwear também usam da repetição constante. À parte do logo estampado, não conseguimos discernir a diferença entre Supremes, Stussys, Champions ou mesmo Nikes. O estilo não teve grandes inovações nos últimos anos – continuam as mesmas camisetas, calças e bonés, com a exceção dos sneakers, que possuem alguma informação a mais de design. O boom do streetwear fez com que marcas tradicionais o adotassem, como a Balenciaga com Demna Gvasalia e a Louis Vuitton de Virgil Abloh. Fenômeno que acabou conhecido como “luxo medíocre” (mediocre luxury): roupas e acessórios que não são grande coisa, mas custam para o consumidor final quase o mesmo de um produto de luxo. Por que a mesmice? Por que nos contentamos com mais do mesmo? E, ainda, repintamos o já velho para ser vendido como algo novo e imprescindível? O mundo da classe média tem seu lado obscuro, que é o do contentar-se com o mediano. Conforme as classes médias crescem no mundo, cresce seu poder de compra junto com a economia dos países, seus valores se tornam predominantes. E classe média gosta de conforto, estabilidade. E, ainda assim, não nos contentamos somente com esse mediano. Temos a necessidade de pinta-lo como algo que é novíssimo e tivesse acabado de ser inventado. O mundo design não é o único. O que se vê constantemente no universo do empreendedorismo, principalmente no de tecnologia, é a propaganda constante por fazer o novo, irromper, incomodar o mercado, derrubar concorrentes em questão de poucos anos ou meses. Amazon e Uber são algumas das empresas “disruptivas” com CEOs ousados e inconsequentes cujas artimanhas deram certo. Pipocam cursos e coaches que prometem soluções totalmente novas para os ambientes de negócios. É claro que também é muito fácil vender ideias velhas requentadas a quem não quer ter repertório... Só que o que vemos é bem menos que o prometido: técnicas de gestão, vendas etc. requentadas e vendidas com outro nome, além do famoso “empreendedorismo de palco”, do palestrante que nunca abriu uma empresa na vida, ou, se o conseguiu, não a levou adiante. Nos últimos anos, o mercado financeiro é a galinha dos ovos de ouro dos picaretas de plantão, vide o caso Empiricus. O que esse tipo de empreendedorismo não mostra é que, para se ganhar dinheiro no mercado financeiro, nada substitui os bons e velhos estudos detalhados, associados à agilidade que o mundo digital pede, e o perfil de tomada de risco de cada investidor. O que vemos muitas vezes são técnicas de gestão, vendas etc. requentadas e vendidas com outro nome. O empreendedorismo “hipster” é isso: clama pelo novo, mas nem de longe propõe novas soluções para as complexidades dos negócios contemporâneos. Sendo medíocre, contenta-se com o mesmo – inovar dá trabalho. Só que ser “hipster”, nesse sentido, significa justamente o contrário do que a maioria pensa: na verdade, é ser conservador, pasteurizado e com pouca vontade de construir algo. Desafios contemporâneos que exigem urgentemente novas soluções nada ganham com esse tipo de valores disseminados. Nem mesmo uma embalagem nova! Leia também: MIT Technology Review. The hipster effect: why all anti-conformists always end up looking the same.

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