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Exclusividade pra todo mundo: o curioso segmento do “premium medíocre”

Vivian Berto de Castro


Os produtos de grifes tradicionais de moda que correspondem a pequenezas e insignificâncias - bonés brancos (estilo brinde de campanha de políticos) da Balenciaga, chaveiros da Gucci, bolsas de nylon ou plástico da Prada, entre outros - podem ser chamados de produtos “premium” medíocre, ou seja, o produto de luxo que não são exatamente luxo - definição que emprestamos do editorial de Eugene Rubkin para o Business of Fashion, mas que também chamaríamos de “mediano” ou então “exclusivo, só que não”.



É “medíocre” porque não têm nada de exclusivo, nem de qualidade, nem de outras características que pontuam o mercado de luxo. No entanto, o premium medíocre tem sido utilizado por marcas tradicionais para agregar outros consumidores que têm desejo e interesse pelo luxo e, embora não tenham o poder aquisitivo para comprar uma bolsa ou um costume de grife, o investimento em pequenos (e caros) itens é suficiente.



Por que esse interesse crescente pelas marcas, a ponto de investir no “premium” medíocre? Antes de chegar ao cerne dessa questão, vamos explorar primeiro o mercado de luxo, e explicar por que exatamente bolsas de nylon e bonés não são luxo, apesar de seu apelo.



Mercado de luxo


O mercado de luxo é um mercado bastante específico, que engloba produtos como moda, automóveis (e outros meios de locomoção), joalheria e relojoaria, gastronomia, hotelaria, experiências, dentre outros. O conceito é bastante elástico, mas de maneira geral caracteriza o produto que é o máximo da qualidade e o processo artesanal (se contrapondo ao produto industrial). O Comitè Colbert-McKinsey (associação francesa que reune mais de 80 grifes do país) define o luxo segundo os seguintes pressupostos:



- Marca forte (strong branding)


- Qualidade superior e atemporal


- Preço premium


- Design “extravagante” (Stylish and extravagant design)



O produto de luxo é vendido como perene, atemporal. Nisso ele tem também seu valor estético - algumas definições de luxo passam pela ideia de “extravagância”, algo que precisa ser simbolicamente reconhecido pelo público consumidor. Ou seja, o luxo não é apenas o acesso do poder aquisitivo, mas também o acesso de um gosto específico.



Sendo o luxo algo tipicamente europeu, tem a ver também com a especialidade de cada região - determinado produto que só pode ser feito em certo local, com a matéria-prima e a mão-de-obra especializada, como, por exemplo, os calçados italianos ou a alfaiataria da Saville Row, em Londres. É importante ressaltar que nem sempre a origem é a regra do luxo, que, como qualquer indústria, pode buscar preços mais competitivos para aumentar o mark-up em cima dos produtos. Uma grife como a Louis Vuitton, por exemplo, produz alguns de seus itens na França e reforça o branding em cima disso, enquanto prefere passar despercebida a fabricação de produtos na Romênia ou na Índia.


Todos esses elementos que ajudam a definir o luxo apontam para mais um fator, que é o da exclusividade. O produto de luxo é exclusivo para aquele que o entende simbolicamente, além de ter a acesso ao seu preço premium e, inclusive, é reconhecido por seus “pares” - outros consumidores que também compram luxo.



“Premium” medíocre


Não é novidade, no entanto, que marcas de luxo insiram produtos para mercados diferentes e mais acessíveis. A alta-costura francesa, por exemplo, teve como uma de suas estratégias de sobrevivência, a partir dos anos sessenta, a comercialização de produtos como perfumes e óculos a preços módicos, para mercados mais abrangentes, mas com todo o “glamour” do nome da maison. Muitas inclusive expandiram suas linhas de beleza a ponto de se tornarem marcas fortes, como na Chanel, Dior, e Yves Saint-Laurent (que chegou a se distanciar da marca principal, de prêt-à-porter feminino, rebatizada como Saint Laurent 2012).



Há também outras categorias de marcas que podem ser pensadas como “luxo acessível”, e que faz parte da estratégia de marcas norte-americanas como Michael Kors e Tory Burch. Elas têm apelo de um produto quase “luxuoso”, como marca e monograma, mas possuem preços mais acessíveis. Há ainda, no Brasil, marcas que formam a sua estratégia como de luxo acessível, embora sejam mais populares em seu país de origem, como a Guess ou a Calvin Klein Jeans. Por fim, nosso mercado nacional é tão curioso que temos cases de “marcas de luxo talibãs”, se é que isso é possível: a grife Victor Hugo se posicionou de maneira que fosse quase confundida com a Louis Vuitton, ou que pelo menos pegasse algo de sua “aura” de luxo.



Estas realidades já existiam no mercado. A novidade nos últimos três ou quatro anos é que produtos realmente pequeninos, de entrada, quase “brindes” são vendidos e buscados cada vez mais pelo consumidor. Este é uma característica de consumo do mundo das mídias sociais. A entrada de marcas em mídias como o Instagram, por exemplo, criou um contingente do que chamamos de “consumidores-fã”, aqueles que seguem a marca, curtem, mas não têm acesso aos produtos da linha principal. Porém, podem e querem investir algumas centenas de dólares em outros produtos simplificados. Se não é possível comprar um trench coat tradicional da Burberry, que custa cerca de US$1800, é possível ao menos adquirir um porta-cartão com o padrão xadrez e logo da grife por menos de US$300 (desde que não seja de couro nem feito à mão, é claro).



O luxo mediano tem referências também no universo da cópia. É quase uma metalinguagem: as marcas são copiadas em produtos de qualidade duvidosa e numa estética particular, depois retornam copiando essa mesma estética (mas se assumindo como original) e mantendo o preço “premium”. A Supreme é um grande exemplo disso. Os produtos originais da marca são praticamente iguais às cópias, mas o consumidor do premium medíocre vai pagar o original. Lembrando que mesmo o logo da Supreme é a cópia das obras de uma artista, Barbara Kruger.



Outro fator no qual as mídias sociais delineiam o consumo de premium mediano é o do consumo por exibição - que é mais facilmente aplicado quando se trata de logos de grifes ou padrões muito reconhecidos, como o xadrez citado acima ou as faixas vermelha e verde da Gucci. O apelo das marcas tradicionais para o streetwear, com tênis, mochilas e bonés também pode ser visto como premium medíocre. Seguindo o padrão da Vetements, famosa por vender moletons comuns por milhares de dólares, ou da Supreme, a qualidade e origem saem de cena, enquanto apenas o nome da marca se mantém. A Gucci chegou a lançar, recentemente, um tênis que parece sujo e usado.


Embora possa atingir outras gerações, este comportamento de consumo é marcado nas gerações Y (pautada pela “ostentação digital”) e Z. Particularmente falando desta última, ela se divide, basicamente, em dois grupos: o dos consumidores com pegada consciente e sustentável, e o das vítimas da moda. O segundo grupo tende a querer consumir marcas reconhecidas e ostenta-las, nem que seja por meio de “tirar uma casquinha” com produtos de entrada.



Exclusivo pra todo mundo


A internet e a lógica fast fashion aceleraram o consumo e baratearam os produtos com informação de moda (veja mais no nosso outro post, “No que consiste o fast fashion”). A moda se democratizou, e, junto com o surgimento de novas classes médias, vemos o desejo crescente por informação de moda aliada ao desejo de mostrar-se vestindo essa informação - se aquela influencer pode, por que eu não posso? O desejo por produtos de luxo, é claro, também cresce para compor a “personagem” digital.



Mas se a própria ideia do luxo é ser exclusivo, não ser para todo mundo, como poderíamos pensar em democratizar esse segmento? Este é o paradoxo do premium medíocre: se é premium, não é para todo mundo. Não só na moda, existem diversos tipos de produtos e serviços que são “exclusivos para todo mundo”, ou seja, têm um preço maior acoplados a eles, mas de exclusivo não têm nada. Cervejarias artesanais, devices Apple, cafés estilo Starbucks, contas premium em bancos comerciais e passagens “premium economy” com alguns centímetros de poltrona a mais, ainda na classe econômica, são alguns exemplos. São os itens que satisfazem o desejo da classe média pela exclusividade, mesmo que só de fachada, com algumas poucas vantagens.



O premium medíocre diz muito sobre o comportamento de consumo atual, em especial da geração Z. Vende-se como exclusivo, como fazer parte de um clube, mas um clube no qual qualquer pessoa com um pouco de dinheiro a mais para gastar pode entrar. Democratiza, mas também massifica e diminui a qualidade dos produtos, já que ela deixa de ser importante. Na moda, ela borra a distinção entre luxo e prêt-à-porter mais rápido e facilitado. Mas continua, sempre, mediano.

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