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Pink é o poder: exposição do Fashion Institute of Technology para pensar o cor-de-rosa na moda


Imagem 1. Vista de uma das salas da exposição. Foto: Vivian Berto

“Please, sisters, back away from the pink”, clamou uma colunista do Washington Post, Petula Dvorak, num texto publicado poucos dias antes da Women’s March de janeiro de 2017. Ela se referia aos chapeuzinhos de crochê com orelhas de gato que milhares de ativistas usariam no protesto. A frase de Dvorak chamou, certamente, a atenção de Valerie Steele, diretora do Museu do Fashion Institute of Technology (Nova York) e curadora da última exposição do mesmo, “Pink: The History of a Punk, Pretty, Powerful Color”, em cartaz até 5 de janeiro de 2019. Tanto que Steele cita a frase de Dvorak logo no texto e no vídeo de apresentação da exposição, como uma espécie de justificativa para iniciar o debate da (incompreendida) cor.



Ressignificar o rosa é um dos objetivos de Steele: repensa-la como uma cor “não-séria” e valorizar seu potencial de poder, protesto e transformação. O cor-de-rosa já foi tendência, e vem sendo firmemente consolidado em produtos, inclusive de moda para todos os gêneros, desde 2014. No entanto, talvez sejamos tentadas(os) a dar razão à preocupação de Steele se a colunista do Washington Post não pede para suas irmãs ativistas se livrarem do crochê, nem do chapéu bobo, nem das orelhas de gatinho. Mas sim, do cor-de-rosa.



O rosa na história da moda



A exposição é dividida em duas salas. Na primeira (imagem 2), há um percurso cronológico da consolidação do rosa como cor tipicamente feminina, a partir da década de 1840. Steele usa a teoria de Michel Pastoreau para explicar que nenhuma cor tem significado intrínseco a ela, mas que a sociedade é que lhe dá seus significados – e que pode, por isso, transformá-los. A exposição começa com um opulento vestido de babados rosa-pálido ao lado de um costume preto masculino, propondo a distinção radical, que se dá a partir do século 19, na vestimenta de cada gênero. (imagem 3). E ainda há a questão da classe social. Segundo os textos explicativos desses primeiros trajes, o rosa pálido era a escolha das mulheres da alta burguesia para se diferenciar das mulheres das classes baixas – que tinham como opção um rosa intenso, “artificial” e barato, recém-conquistado pela indústria têxtil e química. Não há exemplares das roupas da “ralé”, no entanto.


A transformação dos tons de rosa mais intensos em fashionable se dá no percurso histórico com costureiros como Paul Poiret, Jean Patou, Coco Chanel, e, é claro, Elsa Schiaparelli. A exposição ainda nos surpreende com um vestido da costureira russo-americana Valentina, pouco conhecida, mas que também criava vestidos num tom de rosa shocking ao mesmo tempo em que a grande costureira italiana, na década de 30 (imagem 4)


Imagem 2. Foto: Vivian Berto

Imagem 3. Foto: Vivian Berto

Imagem 4. Foto: Vivian Berto

É a influência de outras culturas que consolida o rosa mais intenso e “destrona” os tons pastel na alta moda ou alta-costura – o Oriente e o mundo eslavo dos Ballets Russes serviram de inspiração para Poiret e Chanel, por exemplo. Schiaparelli chegou a dizer que a inspiração do seu rosa shocking provinha da China e do Peru. No entanto, Valerie Steele mostra outra possibilidade em sua apresentação no Simpósio FIT realizado em outubro. Quando Schiaparelli lançou vestidos do seu famoso rosa, segundo Steele, recebeu o alerta de alguns amigos: você não pode usar essa cor, os negros a usam! Segundo a pesquisadora Dominique Grisard, da Universidade de Basel, o rosa intenso representava, para os negros norte-americanos – independentemente do gênero –, riqueza, poder e prazer. Este tema, ainda que tenha sido citado no Simpósio, não é explorado na exposição em si.



É a influência de outras culturas que consolida o rosa mais intenso e “destrona” os tons pastel na alta moda ou alta-costura – o Oriente e o mundo eslavo dos Ballets Russes serviram de inspiração para Poiret e Chanel, por exemplo. Schiaparelli chegou a dizer que a inspiração do seu rosa shocking provinha da China e do Peru.


No percurso da exposição, o rosa muito claro de Christian Dior (que, todos sabemos, amava a cor) e Charles James, dentre outros, contrasta com os vestidos retos de André Courreges, que o propõe com um ar de modernidade bem próximos aos seus famosos vestidos espaciais, brancos. (imagem 5) Nos anos 60, o rosa era efetivamente considerado a cor feminina – ainda mais que na década anterior. A feminilidade nesse momento era, no geral, correspondente ao padrão de beleza adolescente, inocente, pueril (Barbie, no entanto, não ganharia suas roupas cor-de-rosa até o início da década de 70).



Imagem 5. Foto: Vivian Berto

Neste momento vemos também um exemplar de uma camisa masculina rosa claro dos anos 70, dobrado dentro de um cubo de vidro. A tradicional camisaria Books Brothers já fazia peças dessa cor para os homens desde, na verdade, o início da década de 20.



A primeira parte da exposição coroa a cronologia com o vestido que Gwyneth Paltrow usou na premiação do Oscar em 1999, evento no qual ela levou a estatueta por Shakespeare Apaixonado. (imagem 6) Criado por Ralph Lauren, o vestido se encontra em local de destaque, bem no meio da sala. Linhas minimalistas e modernas chegam ao rosa dos anos 90 e 2000, como a exposição quer demonstrar: desde meados do século 19 até o fim do milênio, a cor se transformou.


Imagem 6. Foto: Vivian Berto

Rosa, vestuário e cultura


Na segunda sala de Pink, o percurso da expografia deixa de ser cronológico e apresentam-se temas relevantes agrupados: rosa e azul em roupas infantis, para meninos e meninas; rosa na lingerie, em sutiãs, calcinhas, corsets – relacionado à nudez e ao erotismo da pele caucasiana; o rosa relaciona à flor (e à fertilidade e sexualidade) em vestidos de James, Dior etc.



Embora a exposição declare que contextualiza o rosa no âmbito global, poucos são os exemplos não europeus ou norte-americanos. O “global”, no entanto, é sempre no âmbito do capitalismo, então a relevância do mundo não europeu (ou norte-americano) é bem recente.



Por exemplo, um traje masculino provindo da Índia, rosa intenso, mostra que a cor não tem gênero específico nessa cultura, ao contrário da história recente ocidental. Um vestido da estilista norte-americana baseada no México Lila Bath é apresentado para falar do rosa como cor nacional mexicana (imagem 7). No entanto, neste caso, o tema é um pouco mais complexo. A utilização do chamado rosa “mexicano” ganhou força com iniciativas do governo de Miguel Alemán, nos anos 50, para projetar o turismo do México globalmente. Para isso, usou a moda como projeção, com o auxílio do costureiro e figurinista Ramón Vadiosera, que buscou no vestuário e têxteis de algumas comunidades tradicionais a cor que poderia ser considerada um exemplo forte “para gringo ver”, como se diz.



Imagem 7. Foto: Vivian Berto

Também no âmbito das referências exotique de outras culturas, a exposição ainda conta com exemplares da moda africana, incluindo o incrível casaco do congolês Thebe Magugu (imagem 8).


No entanto, a exposição tem uma falha que precisa ser repensada: a cultura afroamericana só ganha espaço com exemplos contemporâneos. A primeira coleção da Puma Fenty, de Rihanna, que une streetwear a Maria Antonietta, e a calça-vagina criada por Duran Lantink para Janelle Monáe no clipe Pynk.

Devemos levar o cor-de-rosa a sério?


Rei Kawakubo usou o cor-de-rosa diversas vezes e, na segunda sala da exposição, há alguns exemplares de coleções diversas da Comme des Garçons. No caso de Kawakubo, a cor é normalmente utilizada subvertendo todo o estereótipo que se tenha sobre ela. É o caso, por exemplo, do conjunto rosa-claro com estruturas de paniers nas laterais e ombros igualmente enormes, do desfile de outono-inverno 2016 (imagem 9). Os paniers são estruturas laterais usadas debaixo dos vestidos pelas mulheres no século 18. São lidos historicamente como femininos – a aumentam o volume dos quadris. Já os ombros amplos remetem ao masculino, ao poder. Kawakubo subverte, então, uma leitura óbvia sobe gênero. Outro exemplo é a “armadura” estampada com florais estilo rococó, do mesmo desfile (imagem 10). Há ainda o look interessantíssimo de primavera-verão 2005, a “biker-bailarina” com saia de xadrez vichy rosa e blusa de couro preto. (imagem 11)



Os paniers são estruturas laterais usadas debaixo dos vestidos pelas mulheres no século 18. São lidos historicamente como femininos – a aumentam o volume dos quadris.


Mas, ao invés de tentar se contrapor ao que a cor rosa pode significar, Kawakubo parece querer abraça-la e nos fazer repensar o que significa e imagens de delicadeza e feminilidade.


Revoluções feministas e LGBTQI+ nos fazem, dia após dia, repensar a ideia de gênero. Queremos cada vez menos nos adequar a padrões do que seria o sério/masculino (representado pelo preto, azul etc.) e o pueril/feminino (é claro, o rosa). Por isso, a exposição, ao tentar ressignificar o rosa, precisa tomar cuidado em não colocar o debate na divisão binária e hierárquica de gênero, tentando fazer do rosa o “novo preto”. Kawakubo é uma ótima maneira de fechar a exposição – o rosa é isso e, usando como eu quero, atinjo possibilidades inúmeras de criação, subversão e expressão.



Para ler


Michel PASTOREAU - O dicionário das cores do nosso tempo.


Anne HOLLANDER - O sexo e as roupas.

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