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As feiras de arte: uma análise da arte contemporânea e seus significados

Helder Oliveira


"A impossibilidade física da morte na mente de um ser vivente" (1991), de Damien Hirst

As feiras de arte sempre dão muito o que falar. Um punhado de pessoas que se reúnem para se auto elogiarem e proclamarem a própria sofisticação traduzida em negociações de valores astronômicos com obras duvidosas. Elas encarnam o “vilão” do mundo das artes, ao lado das casas de leilões e das galerias. Certo? Errado.



As feiras, as casas de leilões e as galerias são apenas parte de um sistema complexo denominado “mundo da arte”, dos quais curadores, críticos, historiadores, colecionadores e museus são os outros atores e cenários, que junto ao artista, criam uma engrenagem própria, que parece funcionar em um mundo à parte do nosso. Cada um tem seu papel, do produtor (o artista) até os vendedores (galerias, casas de leilão e feiras), todos exercem uma atuação cujo fim é valorização da obra de arte e sua capacidade de ser vendida. É um sistema que ajuda a alavancar a carreira de um artista ao ter seu trabalho reconhecido por todos os agentes que participam desse modelo. Ao mesmo tempo, pode destruir a criatividade, a imaginação e a força do artista, ao se preocupar muito com o próximo nome da vez ou ao mantê-lo preso a um trabalho de sucesso que precisa ser repetido, pois é isso que o comprador quer.



O "mundo da arte" ajuda a alavancar a carreira de um artista ao ter seu trabalho reconhecido por todos os agentes que participam desse modelo. Mas, ao mesmo tempo, pode destruir a criatividade.


Essa “independência” da arte gera enorme frustração para o público não iniciado, por compreendê-la como algo que pertence a poucos, já que esse sistema apenas parece justificar a si próprio. Na verdade, não é muito diferente do que ocorrem em outros mercados profissionais, como o de futebol, por exemplo, que também envolvem grandes somas de dinheiro. A diferença está na sensação de que a arte pertence a todos – não que o futebol não pertença, mas a sua profissionalização já faz parte do cotidiano das pessoas – e de que o artista é um ser especial por conseguir, por meio de sua subjetividade, materializá-la em um objeto que demonstra a sua capacidade técnica de representar o mundo à nossa volta, promovendo a beleza em nossas almas. O século XX, principalmente a segunda metade, mostrou artistas insatisfeitos com esses valores e com isso, o início de um processo de questionamento do papel do artista e da própria arte ao criarem experiências diferentes para quem vai a uma exposição.



O mercado de arte não é muito diferente dos outros mercados profissionais, como o de futebol, por exemplo, que também envolvem grandes somas de dinheiro. A diferença está na sensação de que a arte pertence a todos e que o artista é um ser especial.


Podemos citar como um exemplo clássico para esse aspecto, a obra A impossibilidade física da morte na mente de um ser vivente, de Damien Hirst, feita em 1991, na qual, o artista nos apresenta um tubarão taxidermizado em um tanque de formol. Muitas polêmicas foram criadas, a partir dessa obra: um animal taxidermizado classificado como arte, uma obra que não foi produzida pelas próprias mãos do artista, não lida com a questão da beleza; mais do que representar o mundo real, é o próprio mundo real (um tubarão). Essas características nos mostram como os artistas passaram a lidar com o seu campo de atuação, que além de abordar as questões da apresentação da obra para o público, envolve qual a ideia que está por trás da aparência visível. No caso da obra de Damien Hirst, é nítido que questões como vida, morte, seus significados e rituais, são tratadas por meio de um tubarão embalsamado. Ainda assim, o valor pelo qual a obra foi vendida – US$ 12 milhões de dólares – parece chamar mais a atenção do que qualquer outro aspecto. O curioso é que o valor nunca foi confirmado, deixando um “suspense” no ar, sobre ser verdade ou mais um truque de Hirst para se autopromover e, ao mesmo tempo, brincar com o mundo da arte.



O sistema que movimenta a arte é composto por um processo que parte da relação entre o objeto (arte) e seu produtor (o artista). Uma vez produzido, esse objeto é exposto, negociado, colecionado, conservado, restaurado, avaliado, traduzido em palavras, reproduzido em imagens, e porque não, desejado, criando novos significados e alimentando nossa sensibilidade. Valida capital cultural e econômico. Emprega ainda um sem-número de atores “secundários” que ajudam o sistema a funcionar. É a articulação dos discursos entre as várias partes envolvidas que valida esta ou aquela obra, este (a) ou aquele (a) artista.



E novamente, o tubarão de Damien Hirst nos serve como exemplo, pois se folhearmos os livros sobre arte contemporânea, lançados mais recentemente, veremos que sua obra está lá, confirmando seu status de artista que mudou o modo de se fazer arte. Por outro lado, sabemos que o fato de ser validado pelo mercado não significa ser validado pela história da arte. Muitas avaliações recentes sobre a qualidade deste ou daquele artista tem sua razão no mercado, na venda, porém, o lucro por si só, não é garantia de um nome eterno na história da arte.



Sabemos que o fato de ser validado pelo mercado não significa ser validado pela história da arte.


O sistema é perfeito e justo? Não, claro que não. Quando se tem muito dinheiro em jogo, ele tende a favorecer apenas uns poucos privilegiados, a ditar um discurso pasteurizado que tende a se espalhar como normativo, fazendo com que a qualidade seja a menor das preocupações. Mas isso não é regra, pois há artistas muito bons que estão no mercado de arte e vendem muito bem suas obras, sem estarem no centro da espetacularização criada por e em torno desse sistema. Os noticiários adoram a espetacularização dos preços altos alcançados pelas obras bem como de certas bizarrices que aparecem sendo noticiadas como arte ou relacionadas a vida do artista. E o público, de modo geral, também gosta disso.



Embora se fale muito das feiras, os leilões têm um papel significativo nisso, já que criam diversas estratégias para alcançar altos preços. Feiras como Art Basel Miami, que praticamente encerrou o calendário de feiras do ano de 2018 ou a Frieze Art Los Angeles, que se realizará em poucas semanas, também promovem mostras paralelas e ciclo de debates, como maneira de atrair mais público, inclusive aquele que não irá comprar obra alguma.



Um levantamento rápido encontra facilmente mais de 80 feiras dedicadas a arte contemporânea e se juntarmos a isso, arte moderna, os chamados “old masters” e as antiguidades, esse número pode passar de 100. Feiras como, Art Basel, Art Basel Hong Kong, Frieze (Londres e Nova York), FIAC (Paris), Armory Show (Estados Unidos), SP Arte (São Paulo), ArtRio (Rio de Janeiro), entre tantas outras, nos servem como exemplo do crescimento internacional da arte, a partir do mundo globalizado. A expansão do mercado de arte fez com que toda a cidade deseje ter uma feira de arte – não só feira, mas também uma bienal ou trienal – porque isso permite a ela se tornar uma cidade turística de cultura internacional geradora de milhões de dólares.



A expansão do mercado de arte fez com que toda a cidade deseje ter uma feira de arte – não só feira, mas também uma bienal ou trienal – porque isso permite a ela se tornar uma cidade turística de cultura internacional geradora de milhões de dólares.


Mais recentemente, a criação de plataformas on-line para venda de arte e o uso da tecnologia blockchains prometem revolucionar esse mercado. Plataformas on-line como Artspace, por exemplo, tornam a arte mais acessível para futuros (novos) compradores e o uso de blockchain permite maior segurança nas negociações, já que a obra de arte tem, entre outros aspectos, sua origem de procedência garantida.



Concluindo, o mercado de arte é somente uma entidade do mal? Não, não é. Ele ajuda os artistas a se concentrarem apenas na produção do seu trabalho, mas deve-se tomar cuidado com as armadilhas presentes em qualquer círculo onde o dinheiro não é fim, mas um meio. E com os interesses escusos promovidos em nome da arte. O que resta para o artista em um mundo como esse? Manter-se firme em relação aos seus princípios e sempre se posicionar frente ao mundo que vivemos. Afinal de contas, o artista produz para os outros e, consequentemente, quer viver disso como qualquer profissional.




Veja mais:


O curso Como Apreciar Arte, com Helder Oliveira, na FLUXUS Escola de Criatividade.



Livros:


ARCHER, Michael. Arte contemporânea, uma história concisa.


THORNTON, Sarah. Sete dias no mundo da arte.


THOMPSON, Don. O tubarão de 12 milhões de dólares. A curiosa economia da arte contemporânea.


DANTO, Arthur. O mundo da arte (no livro O Belo Autônomo, organizado por Rodrigo Duarte - você também pode ler aqui).

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